A Melancholia de Lars

 


É Melancholia o filme mais accessível e empático de Lars Von Trier? Sabemos que o realizador dinamarquês é o considerado um dois mais provocadores das últimas décadas, já seja isto pelos seus filmes ou pelos seus atos e declarações, como foi o caso da conferência de prensa no Festival de Cannes, justamente sobre Melancholia, onde ele disse compreender Adolf Hitler. Mas podemos dizer que é Melancholia um filme provocador no sentido literal, como poderíamos dizer de outros filmes de Von Trier, como Antichrist (2009) que foi considerado por uma parte da crítica como exagerado, e carregado de cenas violentas ou de mutilação sexual? 


Não é este o caso de Melancholia, o qual acredito pode ser o filme mais íntimo do “polêmico” Lars. Sabemos que o filme nasceu de momentos de dor que viveu: um período de depressão onde experimentou durante seu tratamento que os depressivos podem oferecer sentimentos de serenidade perante cenários de caos e calamidade.  Parece ser que os momentos de depressão e tratamentos clínicos são tão intensos que o realizador precisa de sua arte cinematográfica para liberar algumas sensações dessas experiencias porque Antichrist também surgiu como uma tentativa para superar uma crise. "Não conseguia trabalhar. Seis meses depois, apenas como um exercício, escrevi um roteiro. Foi um tipo de terapia, mas também uma procura, um teste para ver se eu ainda faria algum filme", contou. 


Agora bem, Melancholia não é um filme de abusos nem de excessos de elementos cinematográficos para chamar a atenção. É claro que há situações hilariantes e que alguns momentos absurdos aparecem neste retrato de um momento da vida das duas irmãs, personagens centrais do filme, mas isto é parte do universo criativo do dinamarquês, de alguma forma, é sua marca registrada. Não obstante, não são esses elementos os protagonistas, porque na verdade, o protagonista é uma certa sensação de incerteza ou falta que não sabemos identificar bem, mas que a cada minuto que passa é mais forte e presente na vida dos personagens. É a Justine (personagem principal interpretada por uma Kirsten Dunst cintilante e que se juntou ao filme, também, depois de um período de depressão) quem traz essa sensação consigo; ela, a irmã mais nova que vai se casar e que parece ser no começo a mulher mais feliz do mundo, e que depois percebemos que sofre de estados de uma triste paz e sossego que aos poucos passa de uma ou outra forma aos outros personagens, como acontece com outra irmã, já mãe, Claire (Charlotte Gainsbourg), com o seu rico marido John (Kiefer Sutherland), evidenciado isto nas relações interpessoais e no estado mental de cada um deles que cada vez parecem estar mais desorientados nesse grande palácio onde estão a morar. O filme passa-se em duas partes tituladas com os nomes das personagens (Parte um, Justine; Parte dois, Claire); na primeira parte vemos um cenário palaciano e festivo, no casamento de Justine; na segunda parte, o foco está na ruína do mundo pessoal de Claire.  


Referências ao Marquês de Sade com Justine, e também ao imaginário poético e estético do romantismo alemão, claramente identificado no uso da música de essencialmente "Tristão e Isolda", de Richard Wagner. Inspirações criativas de Von Trier que servem para criar um estado de solidão e perda dentro de tanta riqueza e luxo.  


Para terminar, uma pergunta: Até que ponto o fim de uma vida pode ser o fim total do mundo? Quando uma vida acaba não há mais um mundo para ela. Esse fim do mundo pode ser produto da colisão da Terra com um planeta X ou Y. Tanto faz, quando nossa própria existência chega ao fim. Pode ser que a melancolia, que já foi tratada como uma doença, um mal que era tratado numa parte do corpo, seja a doença de Justine, de Claire, de Lars Von Trier, e pode ser também a doença que precisa ter este mundo próximo a colidir com algo que não sabemos que é, mas que está aí presente, algo que não vemos, mas que cada dia está mais perto de todos nós.  

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