Crédito: Calfu website
Há quem diga que o café é apenas uma bebida. Mas não: o café é uma pátria líquida. E há duas nações que se olham através da chávena — a Colômbia e Portugal. Duas formas de viver o mesmo grão, dois modos de traduzir o amargo em existência.
O café colombiano nasce da lentidão. Cresce nas montanhas altas, entre 1.200 e 2.000 metros de altitude, onde o frio e a humidade obrigam o fruto a amadurecer devagar. É quase sempre arábica lavado, uma variedade nobre e sensível, com menos cafeína, mas com mais alma. O processo é meticuloso: o grão é colhido à mão, fermentado em água, lavado com rios de montanha e seco ao sol. Esse cuidado dá origem a um café suave, aromático, luminoso, com notas de frutas, cacau e flores secas. É um café que não se impõe — acontece. Tem o sabor da conversa, da memória e da chuva a cair no telhado.
O café português, por sua vez, é filho do império e da pressa. Não nasce aqui: chega por mar, vindo de Angola, Brasil, Moçambique, Timor. É um café robusta ou blend, mais forte, mais áspero, mais cheio de cafeína. Portugal aprendeu a tostá-lo escuro, quase negro, até o grão chiar e libertar o fumo do costume. Esse tueste queimado mata a acidez, apaga as notas frutadas e deixa apenas o corpo — espesso, amargo, urbano. É o café que se bebe de pé, no balcão, com pressa de voltar à rua. Um café que não tem perfume, mas tem impulso.
Porquê tão queimado? Porque Portugal bebe o café como quem enfrenta o frio: com urgência. Porque a história do seu café é também a história de uma necessidade — de energia, de ritmo, de resistência. A “bica” portuguesa não é uma cerimónia, é um reflexo. Um gesto automático e heroico, de quem transforma a amargura em hábito e o hábito em identidade.
O colombiano, pelo contrário, é pausa e paisagem. É o café do diálogo, do tempo, do grão lavado até à pureza.
O português é máquina e sobrevivência. É o café do agora, do instante que se consome e se esquece.
E no entanto — há algo de profundamente humano em ambos. O café colombiano lembra-nos o que perdemos; o português, o que ainda suportamos.
Um é selva e nevoeiro; o outro, asfalto e sal.
Um cheira à terra molhada; o outro, ao metal quente.
Mas os dois, no fundo, servem para o mesmo:
lembrar-nos de que ainda estamos vivos — mesmo quando já nada nos acorda.

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